S. Paulo - Os seis seguranças e funcionários do Supermercado Carrefour que, em agosto de 2009, perseguiram e espancaram o vigilante da USP, Januário Alves de Santana, tomando-o por suspeito do roubo do seu próprio carro – um EcoSport – cometeram crime de tortura, previsto na Lei 9.455/97, segundo a Polícia Civil de S. Paulo. Cinco deles já foram formalmente indiciados e podem pegar, se condenados, até 8 anos de prisão.
O sexto – o ex-funcionário do Carrefour Dárcio Alves dos Santos – entrou com Habeas Corpus preventivo, na 2ª Vara Criminal de Osasco, tentando se livrar do indiciamento. A Juíza Isabel Irlanda Corrêa, ainda não decidiu.
Segundo o delegado Léo Francisco Salem Ribeiro, do 9º DP de Osasco, que preside a investigação já concluída, não há nenhuma dúvida de que crime cometeram os acusados.
“Restou cristalino que Januário Alves de Santana foi submetido a intenso sofrimento físico e mental a fim de obter sua confissão. Angustiante perceber que (o que motivou) a empreitada foi a discriminação racial", afirma no despacho em que formaliza o indiciamento, que foi juntado ao Inquérito 302/2009.
“Os algozes pretendiam humilhar e dilacerar a alma da vítima, pois diziam “cala a boca, seu neguinho (...) Nós vamos te matar de porrada”. Santana oscilou em intervalos de lucidez e perda de consciência oriundos da tortura sofrida”, acrescentou o delegado no despacho, apontando “o emprego de violência para obter informação ou confissão, em razão de discriminação racial”, conforme prevê a Lei da Tortura.
O delegado, que preside o inquérito também concluiu que os três policiais militares que atenderam a ocorrência, sob o comando do soldado José de Pina Neto, praticaram o crime de omissão de socorro, previsto no art. 135 do Código Penal brasileiro.
Defesa
Para o advogado do caso, Dojival Vieira, a decisão da Polícia Civil de S. Paulo, representa uma vitória do seu cliente na luta pela responsabilização criminal dos agressores e por Justiça. O caso foi inicialmente tratado como sendo lesão corporal dolosa.
“O acordo extra-judicial, fruto do diálogo e de negociações, em que a empresa indenizou Januário e seus familiares em condições por eles consideradas plenamente satisfatórias, foi o primeiro passo. Agora, com a conclusão da Polícia de que foi praticado o crime de tortura, é com o Poder Judiciário. Confiamos que a Justiça processe, julge e condene os que atacaram de forma covarde, e sem qualquer chance de defesa, e ainda tentaram forçar o meu cliente a confessar o roubo do seu próprio carro, por motivação racial, já que a suspeita decorreu do fato de Januário ser um negro com aparência humilde na direção de um EcoSport. Repito: Confiamos na Justiça”, afirmou.
Tortura e barbárie
O caso aconteceu no dia 07 de agosto de 2009, por volta das 22h15, na loja do Carrefour, da Avenida dos Autonomistas, e chocou o país. Santana, na direção do seu EcoSport comprado à prestações, na companhia da mulher, Maria dos Remédios Alves de Santana, de uma irmã, um cunhado e dois filhos pequenos, chegou ao supermercado para fazer compras como fazia habitualmente.
Foi tomado por suspeito de ser um puxador de carros – gíria policial para ladrões de carro em lugares públicos – por ser negro e está na direção de um veículo, cuja posse é associada a pessoas de classe média.
Perseguido, sob a mira de revólveres tentou se refugiar na loja. Foi alcançado e levado para um corredor, onde, por cerca de 30 minutos foi espancado com socos, cabeçadas, esganaduras, coronhadas pelos seguranças para que confessasse o roubo.
No despacho do indiciamento que tem data de 18 de novembro passado, o delegado Salém Ribeiro, descreve a sessão de torturas e o sofrimento físico intenso a que o vigilante foi submetido.
Em conseqüência, perdeu a prótese, arrancada a socos e teve fratura no maxilar esquerdo, sendo obrigado a passar por uma cirurgia com anestesia geral no Hospital Universitário da USP.
Januário precisou ainda de acompanhamento psicológico durante os meses que se seguiram a agressão porque disse que "tinha medo de sair à rua".
Caso inédito
Para o ex-Secretário de Justiça de S. Paulo, Hédio Silva Jr., a decisão da Polícia de indiciar os seguranças é inédita no país. "Sinaliza que as autoridades começam a reconhecer a gravidade dos casos de racismo e dar o tratamento merecido a eles. Não foi "constrangimento ilegal" nem "lesão corporal dolosa". Foi tortura. É exemplar.”, afirmou, relatando que, em 1,2 mil processos judiciais de discriminação racial analisados pelo Centro de Estados das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), no período entre 1.997 e 2010, não há nenhum inquérito baseado na Lei 9455/97, a Lei da Tortura. “E um caso inédito e emblemático”, concluiu.
Veja reportagem da Rede TV - 04/02/2011
Por: Redação - Fonte: Afropress - 4/2/2011
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